Américo Kuononoka, líder do grupo parlamentar do MPLA, partido no poder em Angola desde 1975, rejeitou hoje qualquer “problema de fricção” entre os seus membros, referindo que todos os militantes estão com a direcção neste “momento histórico” que o país vive. Fazem bem. É que, todos os anos, em Maio, existe o dia 27. E já recordam esta data a Tchizé dos Santos que, diz, sofreu “intimidações em plena reunião plenária” da Assembleia Nacional.
Américo Kuononoka falava em conferência de imprensa, em que anunciou a realização das II jornadas parlamentares do MPLA, de 30 de Setembro a 4 de Outubro, a ter lugar em Cabinda.
Questionado sobre os últimos acontecimentos registados no país, nomeadamente detenções de altas figuras (todas do MPLA) do país, antigos governantes, Américo Kuononoka referiu que “o momento é histórico” e todos os militantes estão em torno da direcção do partido. Tal como estiveram (incluindo João Lourenço), durante 38 anos, em torno de José Eduardo dos Santos.
“Portanto, não há quaisquer indícios de desmembramento ou qualquer problema de fricção, absolutamente não há”, garantiu o líder da bancada parlamentar do MPLA, recentemente indicado no VI congresso extraordinário do partido, realizado a 8 deste mês, sublinhando que “a unidade e a coesão” sempre foram “a arma secreta do MPLA”. Que o digam os militantes que por cá andavam no 27 de Maio de 1977.
Alguns observadores referem que é bom sinal o Presidente do MPLA se ter lembrado e, por isso, lembrar aos seus dirigentes que afinal existe o Povo. Será? Ou é, com roupagem diferente, apenas uma, mais uma, forma de falar da floresta para esconder as suas novas/velhas árvores de estimação cujas ramificações estão por todo o lado?
A palavra a ‘Tchizé’ dos Santos
A deputada Welwitschea ‘Tchizé’ dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, afirmou à Lusa confiar que, por ser actualmente a único membro da família do ex-chefe de Estado num cargo público, não será “sacrificada” no MPLA.
“Cada um julgará a situação de acordo com a sua perspectiva. Uma constatação inequívoca é que passei a ser eu o único membro da família ‘dos Santos’ que actualmente ocupa um cargo público, num órgão de soberania do Estado (deputada à Assembleia Nacional, eleita na lista do qual o cabeça-de-lista foi o Presidente João Lourenço, MPLA), o que me tornaria um alvo a abater, caso a tese de caça às bruxas se viesse a confirmar”, disse.
“Deus queira que não a haja e que estejamos, de facto, perante o respeito pelas leis e pelo Estado democrático de direito. Se assim for, certamente não serei sacrificada dentro do meu partido pelas minhas intervenções, em respeito à Constituição da República de Angola”, escreveu a filha do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, numa declaração enviada à Lusa.
‘Tchizé’ dos Santos, empresária e que cumpre o terceiro mandato consecutivo como deputada – foi eleita pela primeira vez em 2008, aos 29 anos -, admitiu, contudo, que, desde a tomada de posse de João Lourenço, a 26 de Setembro de 2017, já sofreu “intimidações em plena reunião plenária” da Assembleia Nacional.
“Tive a necessidade de coçar o tornozelo no momento de votar uma determinada lei, não tendo levantado a mão nem a favor, nem contra, nem em abstenção. Foi-me imediatamente perguntado por um hoje líder do grupo parlamentar do MPLA se eu sabia quanta gente tinha sido assassinada no ’27 de Maio’ [de 1977]”, exemplificou.
“Se dentro das plenárias da Assembleia Nacional se verifica este clima entre deputados do mesmo partido [MPLA], concluo que o que se pode esperar da política angolana nos próximos tempos é de facto uma incógnita”, acrescentou.
A filha de José Eduardo dos Santos lembrou que, quando o seu pai foi chefe de Estado angolano, entre 1979 e 2017, também se absteve de votar em duas ocasiões.
“Nunca soube de ninguém que fosse ameaçado em plena plenária por ir à casa de banho ou coçar a cabeça e não votar uma lei até agosto de 2017”, ironizou.
Na declaração, em que se escusou a tecer quaisquer comentários sobre o processo judicial que envolve o seu meio-irmão José Filomeno dos Santos (‘Zenu’), em prisão preventiva, ‘Tchizé’ dos Santos abordou também a “possibilidade”, “falada por alguns”, de uma “nova forma de fraccionismo” no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
“Alguns falam na possibilidade de uma nova forma de fraccionismo no MPLA. Há quem fale numa purga, usando os órgãos de justiça e combate à corrupção. Eu como sempre fui uma pessoa optimista e que acredita no futuro do meu país, prefiro dar o benefício da dúvida ao novo executivo, observar e aguardar para tirar uma conclusão definitiva, mas tenho fé que os ânimos se acalmem e que, brevemente, se reponha a estabilidade dentro do partido e do país”, sublinhou.
“Oxalá seja apenas uma fase, natural de uma transição de poder após um mandato demasiado longo por força das idiossincrasias da nossa história pós-independência”, terminou, insistindo que não falaria mais sobre o “assunto ‘Zenu'”, que se encontra detido desde segunda-feira na Cadeia do Hospital Prisão de São Paulo, em Luanda.
Em Novembro de 2017, as empresas de Welwitschea ‘Tchizé’ dos Santos e do seu irmão, José Paulino dos Santos ‘Coreon Du’, filhos do ex-chefe de Estado angolano, José Eduardo dos Santos, foram afastadas da gestão dos canais estatais de televisão TPA 2 e TPA Internacional.
Isabel dos Santos foi exonerada do cargo de Presidente do Conselho de Administração da petrolífera estatal Sonangol e em Janeiro foi a vez de João Lourenço afastar José Filomeno dos Santos, igualmente filho de José Eduardo dos Santos, da liderança do Fundo Soberano de Angola.
Folha 8 com Lusa